A santificação progressiva

O Espírito Santo faz nascer no crente o desejo de usufruir uma vida de santidade e de combate contra o pecado a fim de alcançar o porvir

No Antigo Testamente, era o assombro reverente diante da majestade divina que causava a reação da adoração, da reverência e do medo de pecar contra Deus (Salmos 96.9). Assim, o Seu povo especialmente escolhido e separado era chamado a venerá-lO (Êxodo 12.16; Deuteronômio 7.6; Salmos 20.6; Isaías 6). No Novo Testamento, é a justificação e a resposta à graça que propicia ao crente, com a ajuda do Espírito Santo, promover o seguimento de Jesus numa caminhada de santidade, tonando-se “raça eleita, sacerdócio real, nação santa” (1 Pedro 2.9).

A permanência no Corpo de Cristo é o que garante ao crente a santidade, porque, estando no Corpo de Cristo, todos os pecados são afogados nEle; o crente se santifica estando no corpo e mortifica seu desejo de pecar, mas, em pecando, seu pecado é afogado no mesmo corpo se há arrependimento (1 João 2.1). Daí a necessidade de permanência no Corpo de Cristo. A santidade do crente decorre da santidade de Cristo e do amor de Cristo pelo Seu próprio corpo que o impeliu ao sacrifício na cruz (Efésios 5.27).

Em Cristo, o crente é santificado de forma definitiva, completa e perfeita através da obra do Espírito Santo, que o convence do pecado (santificação posicional). Mas, no mesmo Espírito, também se é santificado de forma progressiva, substancial e constante no intuito de levar à maturidade cristã, à produção do fruto do Espírito e à manifestação da vida e do amor de Cristo. Mas não sem sobressaltos, avanços e retrocessos, pois o Espírito Santo opera em união e simbiose com o desejo e a vontade humanas. Ninguém é tão santo que esteja livre do pecado.

O que é santificação progressiva?

O processo de santificação é passivo (Romanos 6.13; 12.1; 8.13) e ativo (Romanos 8.13; Filipenses 2.12-13) por parte do crente. É passivo porque é obra do Espírito Santo e, por isso, é necessário apenas entregar-se ao Seu agir sem resistir-lhe (Efésios 4.30); e é ativo porque o crente busca a santificação através da leitura e meditação da Bíblia, da oração, da adoração, do testemunho, da comunhão, do domínio próprio e praticando disciplinas espirituais que lhe aperfeiçoem o caráter. O esforço ativo da santificação é para não se tornar um cristão passivo e indolente. A passividade de se render ao Espírito Santo é para não se tornar orgulhoso e falsamente confiar na justiça própria (1 Pedro 2.11). A santificação deve ser almejada e priorizada pelo crente (Hebreus 12.14) com muita determinação, pois a natureza pecaminosa que reside quer ter seus privilégios e resistir a este processo (Romanos 7.14,21) (POMMERENING, 2017).

Conforme Natalino das Neves, a santificação progressiva se dá na vida do crente que já foi justificado, tendo a justificação de Cristo como base principal, pois esta pessoa recebe uma nova natureza que a torna uma pessoa que não vive mais com voluntariedade para o pecado (NATALINO, 2023, p. 17). No entanto, a pessoa luta contra a sua natureza pecaminosa para a subjugar ao domínio de Cristo e assim viver uma vida santificada. É preciso salientar que essa luta contra o pecado não se dá de forma isolada, mas, sim, com a ajuda substancial do Espírito Santo, que atua na vida do crente fazendo a pessoa tanto desejar a vida santa quanto a animando no embate contra o pecado (1 João 4.4), no sentido de fortalecê-la e fazê-la aborrecer o pecado.

Para Paulo, a santidade não é prioritariamente uma carga negativa de proibições, negações e privações da vida, mas o abandono de pensamentos e ações que tornam a vida pesada e cheia de contradições (Gálatas 5.16-21). É antes um desejo positivo de produzir e viver as boas obras do Espírito Santo, conforme a lista do fruto do Espírito descrita por Paulo (POMMERENING, 2017). Assim, a santificação é uma vida abundante, plena e feliz que transborda no fruto do Espírito e nas virtudes cristãs, especialmente o amor, antagonizando com a falsa moralidade e a hipocrisia tão presente na santificação negativa, naquela que apenas proíbe e cerceia. Paulo afirmou que este tipo de santidade leva à demência espiritual: “Se vocês morreram com Cristo para os rudimentos do mundo, por que se sujeitam a regras, como se ainda vivessem no mundo? […] essas coisas têm aparência de sabedoria, ao promoverem um culto que as pessoas inventam, falsa humildade e tratamento austero do corpo. Mas elas não têm valor algum na luta contra as inclinações da carne” (Colossenses 2.20-23).

Os que vivem sob a liberdade da graça desenvolvem uma santidade que reflete a beleza de Cristo em sua interioridade, que extravasa nas mais diferentes esferas da vida. Neste sentido, santificação é a capacidade de ser coerente com as fraquezas humanas e reconhecê-las sempre diante de Cristo. Sendo assim, quanto mais transparente se é neste relacionamento com Ele, em que não se esconde nada, tanto mais progressividade e possibilidades de santidade se adquire.

Mesmo depois de serem justificados, os crentes continuam cometendo pecados (Tiago 3.2; 1 João 1.8), embora não sejam mais escravos do pecado (Romanos 6.2). Mas esta constatação não pode ser uma desculpa para se tratar os deslizes espirituais e o pecado com lassidão ou indolência; muito pelo contrário, exige-se mais cuidado e vigilância para não cair em tentação (Mateus 6.13; 26.31) (POMMERENING, 2017). Embora se alcance a santidade absoluta somente na eternidade, numa dimensão escatológica, está-se em tensão contínua e em ambiguidade por se viver, de um lado, a realidade presente de ter sido justificado e santificado estando em Cristo – Ele que inspira, ilumina e sustenta em toda boa obra, tornando todo crente participante da plenitude dEle e já O vendo como que por espelho embaçado (1 Coríntios 13.12) – e assentado com Ele nos lugares celestiais (Efésios 2.6) e já coerdeiro com Cristo (Romanos 8.17), e por saber, por outro lado, que a santificação ainda está em processo, pois o crente ainda é carnal e vendido ao pecado (Romanos 7.14). É nova criatura, nascido de novo, lavado no sangue de Cristo, mas sofre as fraquezas da carne e por vezes facilmente sucumbe às tentações. Portanto, nenhum cristão poderá afirmar que está isento do pecado e que não necessita do perdão de Deus. Assim, está vivificado e plenamente santificado em Cristo, mas a santidade é momentaneamente frágil, incompleta e está em estágio germinal, se comparada com a santidade perfeita de Cristo (FIORES; GOFFI, 1993, p. 1036), que é o pleno santificador e modelo de santidade a ser seguido.

Antonio Gilberto (2013, p. 364-365) classifica a santificação como passada e instantânea, porque em Cristo o crente se torna santo no ato da conversão (Colossense 1.20), chamada de santificação posicional; concomitantemente, é presente progressivamente no dia a dia da vida cristã, chamada de santificação progressiva, experimental ou prática; e ela também é futura, completa e final (Romanos 6.22-23), e ocorrerá na Segunda Vinda de Cristo.

A ação do Espírito Santo na santificação processual

O Espírito Santo como o Ajudador amado é o agente da santificação na vida do crente, conforme Paulo: “Mas vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1 Coríntios 6.11). Essa santidade posicional é alcançada no momento da conversão, mas o mesmo Espírito promove a santificação progressiva na vida do crente, desde que esse se deixe conduzir por sua orientação amorosa. João Batista, ao vaticinar sobre o trabalho salvador do Messias, disse que “Ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mateus 3.11), demonstrando que aqueles nos quais se cumprir a descida do Espírito Santo não experimentariam apenas um derramar simbólico do poder do Espírito, mas teriam em sua vida o fogo purificador que arde no mais íntimo do coração, revelando e removendo toda a sujidade do pecado e seus cruéis grilhões.

Assim como o Espírito Santo conduziu Jesus ao deserto para ser tentado pelo Diabo (Lucas 4.1), a tentação permitida por Deus na vida do crente tem uma função purificadora no sentido de fazer o crente perceber as inclinações do seu coração e quais elementos perniciosos ocupam os seus espaços mais secretos. O crente poderá usar, com a ajuda do Espírito Santo, as suas próprias inclinações más para confessá-las e purificá-las no fogo do Espírito, que começou a boa obra e há de completá-la até o Dia de Cristo Jesus (Filipenses 1.6).

O legalismo, com suas proibições, diz que o crente precisa melhorar a santidade para se aproximar de Deus; a graça diz que o crente precisa se aproximar de Deus para melhorar, se tornando mais semelhante a Cristo. O legalismo cobra pedágio para chegar à santidade; a graça pagou o preço completo na cruz de Cristo, o que permite o crente ser santo.

No processo de santificação operado pelo Espírito Santo, a Palavra de Deus assume um lugar decisivo, pois é através dela que, agindo como um espelho, o Espírito Santo revela o que precisa ser transformado (Romanos 12.2). É a Palavra de Deus que penetra até a divisão da alma e do espírito, das juntas e medulas, e revela todas as coisas ocultas, algumas vezes ocultas do próprio crente, outras vezes ele não quer enxergar (Hebreus 4.12).

A cooperação e a responsabilidade humana no processo de santificação

A transparência para com Deus é quando o crente não deixa nada oculto dEle; quando, em devoção e quebrantamento de alma, consegue Lhe contar tudo. Este é o caminho mais sensato para a santidade e a pureza, pois, através da confissão, Ele vai purificando, perdoando, curando e finalmente se tornando íntegro. Assim, se reconecta o ser inteiro com Cristo, que é o mais perfeito e completo modelo de integridade e santidade. Quanto mais integridade, menor será a necessidade de usar máscaras, pois, ao usar máscaras, se torna hipócrita, perdendo-se a santidade. A falta de integridade produz ídolos e permissividade no coração do ser humano (Mateus 6.24).

Quanto mais preocupação com a interioridade secreta, expondo-a diante de Deus sem máscaras, integralmente, tanto mais reflexos positivos se experimenta na exterioridade, pois é o interior que fornece luz ao exterior (Mateus 6.23); é a partir do interior que se reflete a beleza de Cristo (santidade) em todas as dimensões da vida. Isso é possível em relação direta com a capacidade de olhar para dentro de si mesmo em atitude de oração e perscrutação do coração com a ajuda do Espírito Santo (POMMERENING, 2017), concordando com Paulo, que disse “aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2 Coríntios 7.1). Por isso, a melhor maneira de evitar a falta de integridade é ser transparente consigo mesmo, com o próximo e especialmente com Deus. O apóstolo Paulo admoestou Timóteo no sentido de progredir espiritualmente: “Medite estas coisas e dedique-se a elas, para que o seu progresso seja visto por todos. Cuide de você mesmo e da doutrina” (1 Timóteo 4.15-16).

A responsabilidade humana na obra de santificação, conforme os textos bíblicos, são: “andar na luz” (1 João 1.7); “guardar os mandamentos” de Deus (1 João 2.3); “agradar a Deus” (1 Tessalonicense 4.1); “viver de modo digno do Senhor” (Colossenses 1.10); ter os “corações confirmados em santidade, na presença de nosso Deus” (1 Tessalonicenses 3.13); e estar “aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2 Coríntios 7.1), dentro outros (POMMERENING, 2017).

O modelo perfeito de santidade a ser seguido

A santidade, expressa de forma simples, é a união do crente com Cristo de forma que se torne um com Ele. Dito nas palavras de Paulo, ela assume uma conotação profunda de seguimento a Cristo: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. E esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2.20). Assim, ela assume característica de profunda comunhão com Cristo, assumindo seu jeito de ser, agir e viver, posturas estas incorporadas à vida diária na convivência com o amado Salvador, que santifica a vida do crente pela intimidade piedosa (1 Pedro 1.15). Quando andou na Terra, Jesus nos ofereceu o melhor exemplo de integridade, pois assumiu a forma humana plena, “esvaziou-se a si mesmo” (Filipenses 1.7), e humildemente conviveu com a fraqueza humana. A santidade de Jesus está baseada na premissa antiga, fundamental e que procede da Lei de Moisés, que afirma: “Ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”. Mas Jesus amplia isso ao afirmar que deveríamos amar uns aos outros como Ele mesmo amou (João 13.34).

Para Jesus, o pecado e a maldade procedem do coração, portanto de dentro para fora. No Sermão do Monte, Ele trata o pecado em sua origem, no coração, chamando o crente a erradicá-lo ali, antes que se torne concretude. Portanto, para Jesus, o pecado é anterior ao ato em si. Ele nasce no coração humano para depois se tornar em mal. A santidade de Jesus é radical, porque trata o pecado quando é apenas um sentimento, em sua fase embrionária, antes de ser praticado. Nessa radicalidade, Jesus erradica o pecado usando a figura da mutilação (Marcos 9.43-47), pois santidade é discipulado radical. É nesse lugar fundamental (no sentido de origem e profundidade) que a santidade deve estar inserida para que o crente viva em progressividade santificadora e em santa progressividade. Embora experimente vergonhosos e embaraçosos retrocessos, ele sempre de novo se levanta, com a ajuda do Espírito Santo, e se apropria novamente do modelo a ser seguido: Jesus de Nazaré. O modelo de Jesus nos convida a uma santidade ética, onde o que é importante não são prioritariamente as regras pré-estabelecidas, geralmente de cunho moralista, mas as escolhas santas que são feitas diante das complexas demandas da vida, preferindo sempre falar, agir e ser como Jesus (2 Coríntios 3.18).

Conclusão

Jesus disse: “Abençoados são vocês, que puseram em ordem seu mundo interior, com a mente e o coração no lugar certo. Assim, vocês poderão ver Deus no mundo exterior” (Mateus 5.8, AM). Como consequência, “os que olham para ele estão radiantes de alegria; seus rostos jamais mostrarão decepção” (Salmos 34.5, NVI)..

Pureza de coração significa ter um só propósito na vida, que é direcionada para buscar unicamente a vontade de Deus e amá-lO acima de tudo (Mateus 7.33), se desfazendo de todas as falsas intenções secundárias, para que se alcance tal pureza interior de estar totalmente à disposição da vontade de Deus. A vontade de Deus ocorre na vida da pessoa quando os vícios e pecados são vencidos. Nesse estágio, o coração alcança paz, fica livre do medo, da agitação e das paixões incontroláveis. Assim, quem alcança a pureza de coração encontra a serenidade, ambas se inter-relacionam, pois quem é puro de coração tem um coração sossegado. Enquanto as paixões e vícios controlarem a pessoa, ela não encontrará paz interior (GRÜN, 2016).

Referências bibliográficas

BÍBLIA SAGRADA NAA. Barueri: SBB, 2018.

FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo. Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 1993.

GILBERTO, Antonio (et al.). Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2013.

GRUN, Anselm. Pureza de coração: caminhos para a busca de Deus. Petrópolis: Vozes, 2016.

NEVES, Natalino das. Separados para Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2023.

POMMERENING, Claiton Ivan. A obra da salvação. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

QUEIROZ, Carlos. Ser é o bastante. Curitiba: Encontro/Viçosa: Ultimato, 2006.

por Claiton Ivan Pommerening

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