Robert Menzies

Um dos maiores teólogos pentecostais da atualidade fala sobre teologia e hermenêutica pentecostais

Nosso entrevistado nesta edição especial sobre Hermenêutica Pentecostal é considerado um dos maiores teólogos pentecostais da atualidade, o Dr. Robert Menzies. Ele é filho de um dos maiores teólogos das Assembleias de Deus norte-americanas, William Menzies (1931-2011). Dr. Menzies fez mestrado em Teologia no Seminário Teológico Fuller, nos EUA, tendo concluído seus estudos de PhD em Novo Testamento na Universidade de Aberdeen, Escócia, sob a supervisão do célebre teólogo I. Howard Marshall (1934-2015). Ele é autor de vários livros sobre pneumatologia e teologia pentecostal, professor adjunto do Seminário Teológico do Pacífico na Ásia, nas Filipinas, fundador do Centro Asiático de Teologia Pentecostal e editor do site http://www.pentecost.asia. O Dr. Menzies é também o diretor da Synergy, uma organização que visa a capacitar as pessoas das aldeias rurais do sudoeste da China a viver vidas produtivas.

Nos últimos anos, a teologia pentecostal tem ganhado a atenção do mundo acadêmico. A que você atribui isso?

Acredito que há duas razões para a crescente influência da teologia pentecostal. Primeiro, o rápido crescimento das igrejas pentecostais, particularmente no Mundo Majoritário, torna difícil para a Igreja global ignorar esse movimento e sua teologia. Na verdade, as igrejas pentecostais em todo o mundo têm crescido com tal rapidez que Philip Jenkins se refere ao Movimento Pentecostal como “o movimento social de maior sucesso do século passado” (JENKINS, Philip. Next Christendom, p. 8). Por isso, muitos querem saber: “O que está impulsionando esse movimento? No que eles acreditam?”. Em segundo lugar, a teologia pentecostal amadureceu e uma série de estudiosos pentecostais de várias partes do mundo estão agora fazendo contribuições importantes em praticamente todas as áreas do empreendimento teológico (teologia histórica, bíblica, sistemática e prática, bem como missiologia). Os pentecostais têm uma importante contribuição teológica a dar ao mundo da igreja em geral, e isso agora está sendo reconhecido por estudiosos tanto de dentro como de fora do Movimento Pentecostal.

Um dos temas mais disputados no ambiente teológico pentecostal hoje é a hermenêutica pentecostal. A maioria dos teólogos pentecostais, incluindo você, adotou uma hermenêutica que permanece fiel aos métodos tradicionais de interpretação da Bíblia, mas enriquecendo-os com o uso de algumas ferramentas de crítica redacional e narratologia. Outros, porém, foram seduzidos pela ideia de adotar princípios da crítica literária pós-moderna. Em 1993, você teve um debate com Timothy Cargal sobre isso. Quais são os perigos dessa proposta, que foi adotada por Kenneth Archer e outros?

Desde a Reforma, a maioria dos protestantes tem visto o “significado histórico” – o significado do texto entendido em seu contexto histórico e literário original – como um objetivo central de nossa leitura da Bíblia. O significado pretendido pelo autor bíblico, então, torna-se o fundamento a partir do qual a aplicação fiel da mensagem da Bíblia às nossas situações pode ser feita. Quando essa ênfase no significado histórico é descartada e o objetivo da interpretação muda de localizar o significado “no autor e no texto” para “no leitor e no texto”, passamos de uma base sólida para um terreno muito escorregadio e incerto. O significado do texto bíblico não é mais definido pelo autor inspirado, mas, sim, pela percepção do leitor falível. Nessa abordagem pós-moderna, não há significado objetivo e, portanto, múltiplos significados – mesmo quando contraditórios – são reconhecidos como válidos. Essa abordagem, defendida por alguns estudiosos contemporâneos, representa, em última análise, uma rejeição da autoridade da Bíblia. A capacidade da Palavra de Deus de falar conosco e desafiar nossas presunções e preconceitos está perdida. Nós, o leitor, assumimos o controle e determinamos o que o texto significa. Isso, é claro, é muito perigoso e leva à confusão em nossas igrejas. Alguns, como Archer, argumentam que o Espírito Santo e a comunidade cristã nos protegerão do erro. No entanto, se estudarmos os mais de vinte movimentos carismáticos que apareceram na história da Igreja, descobriremos que nenhum deles terminou bem. Este é um fato preocupante. Os montanistas são um excelente exemplo de grupo carismático que provavelmente começou bem, mas terminou mal. A lista de outros movimentos com final semelhante é dolorosamente longa. A maioria desses movimentos começou bem, mas todos permaneceram na periferia da vida da igreja. Com o tempo, devido à ênfase exagerada nos dons carismáticos e à falta de base nas Escrituras, esses grupos se desviaram. Um líder carismático ou profeta autoproclamado surgia e conduzia o grupo ao fanatismo autodestrutivo e à heresia. No entanto, como diria meu pai, William Menzies, aqui é onde o Movimento Pentecostal moderno é diferente. Aqui encontramos sua singularidade. O Movimento Pentecostal sobreviveu o suficiente para se tornar parte da corrente principal do cristianismo. Nosso compromisso com a Bíblia como nossa autoridade, como a medida e o guia de nossa experiência e prática, tem sido vital para o sucesso contínuo do Movimento Pentecostal moderno. Se nos afastarmos dessa ênfase nas Escrituras, perderemos nosso caminho.

Quais são as principais contribuições dos teólogos pentecostais à hermenêutica bíblica?

Os pentecostais estão chamando a igreja para dar uma nova olhada em Lucas-Atos. Somente ouvindo a voz distinta de Lucas podemos desenvolver uma doutrina verdadeiramente holística do Espírito Santo. Somente lendo Lucas-Atos em seus próprios termos podemos entender o significado do batismo prometido no Espírito Santo (Atos 1.5). Por muito tempo, a teologia protestante destacou os importantes insights de Paulo sobre a obra do Espírito, mas ignorou amplamente a contribuição de Lucas. Mais especificamente, os pentecostais estão desafiando duas suposições que limitam muitos protestantes em sua leitura de Lucas-Atos. A primeira suposição insiste que, uma vez que a narrativa de Lucas trata de uma era única na vida da igreja, deve-se entender que os eventos que ele descreve não são apresentados como modelos para as gerações subsequentes de cristãos. Em suma, muitos presumem que o historiador Lucas escreveu para fornecer à igreja sua mensagem, não seus métodos. A segunda suposição sugere que recorramos a Paulo em busca de teologia, visto que suas epístolas são de caráter didático. Os evangelhos e Atos apenas forneceriam os dados históricos brutos para essa reflexão teológica. Infelizmente, essa abordagem cega os cristãos para toda a amplitude e riqueza do testemunho bíblico. Os pentecostais estão desafiando corretamente essas duas suposições e, como resultado, estão capacitando a igreja a recuperar seu poder primitivo e seu chamado apostólico.

Uma vez você escreveu que se o célebre teólogo metodista James Dunn, recentemente falecido, levasse os princípios que ele adotou da hermenêutica bíblica até as últimas consequências, ele seria forçado a concordar com a interpretação pentecostal da pneumatologia lucana. Poderia explanar sobre isso?

Em 1970, James Dunn apontou o caminho a seguir para os estudiosos pentecostais, enfatizando a integridade teológica de cada autor bíblico. Uma teologia verdadeiramente bíblica, Dunn corretamente defendeu, poderia ser desenvolvida somente quando nós, “tomarmos cada autor e livro separadamente e (…) delinearmos suas ênfases teológicas particulares; só quando se coloca um texto no contexto do pensamento e intenção de seu autor, (…) só então o teólogo-bíblico pode se sentir livre para deixar aquele texto interagir com outros textos de outros livros” (DUNN, James. Baptism in the Holy Spirit, p. 39). Embora Dunn tenha destacado corretamente a importância de permitir que cada autor bíblico fale, ele falhou em seguir seu próprio conselho. Ele argumentou que o Novo Testamento uniformemente apresenta o dom do Espírito como “o clímax da conversão-iniciação”. Dunn afirmou que isso era verdade tanto para Lucas quanto para Paulo e João. No entanto, se Dunn tivesse seguido seu próprio conselho a sério, ele poderia ter visto que enquanto Paulo fala do dom do Espírito como a fonte da vida espiritual (cf. Romanos 8.9), Lucas descreve a recepção do Espírito como uma capacitação profética, uma capacitação para o ministério (cf. Atos 1.8; 2.17-18). É irônico que James Dunn, o autor da Unity and Diversity in the New Testament (“Unidade e Diversidade no Novo Testamento”) e da citação citada acima, não tenha sido capaz de reconhecer o caráter distinto da pneumatologia de Lucas.

Décadas atrás, dizia-se que a hermenêutica pentecostal ainda estava sendo construída. Hoje, depois das bases lançadas por teólogos como Howard Erwin, William Menzies e Anthony D. Palma, e das contribuições dadas por você, Roger Stronstad e outros, acredita que já temos uma hermenêutica pentecostal mais madura e sólida?

 Sim. Nós, pentecostais, temos uma oportunidade maravilhosa de comunicar nossa teologia, uma visão bíblica para a vida e a missão da igreja hoje. Os estudiosos pentecostais que você observou abriram um novo caminho. Seus esforços pioneiros foram aumentados por desenvolvimentos importantes nos estudos do Novo Testamento. A crescente consciência no mundo da igreja em geral de que as narrativas bíblicas, incluindo Lucas-Atos, transmitem uma mensagem teológica importante, abriu oportunidades sem precedentes para nós. Felizmente, os estudiosos pentecostais estão, na maior parte, aproveitando essa oportunidade e comunicando a rica herança teológica sobre a qual o Movimento Pentecostal moderno está fundado. Isso envolve reconhecer nossas fortes conexões com o movimento evangélico, particularmente no que se refere à hermenêutica – por exemplo, enfatizando a importância do significado histórico. No entanto, ao mesmo tempo, significa também afirmar os aspectos distintivos de nossa hermenêutica pentecostal, sendo o principal a forma como lemos o Livro de Atos como um modelo para a vida e ministério dos cristãos contemporâneos. Então, eu acredito que a hermenêutica pentecostal, e a teologia que flui dela, atingiu a maioridade. Estudiosos pentecostais e a tradição pentecostal estão demonstrando como a teologia evangélica pode ser enriquecida por uma abordagem mais holística, que dê plena voz às narrativas bíblicas e, portanto, a todo o cânon das Escrituras.

Na sua opinião, quais são os principais nomes da teologia pentecostal hoje?

 A geração anterior produziu historiadores como Vinson Synan e meu pai, William Menzies, bem como renomados estudiosos do Novo Testamento – felizmente ainda conosco –, como Russel Spittler, Anthony Palma e Gordon Fee. A atual geração de teólogos pentecostais inclui Roger Stronstad e Chris Thomas, no estudo do Novo Testamento; Wonsuk Ma e Lee Roy Martin, no estudo do Antigo Testamento; Julie Ma e Alan Johnson, na área de Missões; Frank Macchia e Simon Chan, na área de Teologia Sistemática; e Allan Anderson e Cecil M. “Mel” Robeck, na área de Teologia Histórica. Estudiosos prolíficos, que talvez não sejam pentecostais clássicos, mas se encaixariam na classificação carismática mais ampla, incluem Craig Keener e Max Turner, nas áreas de Novo Testamento; e Amos Yong, na área de Teologia Sistemática. Esta é apenas uma amostra de estudiosos pentecostais notáveis no mundo de língua inglesa. Vários estudiosos pentecostais da maior parte do mundo também podem ser mencionados, mas a maioria deles não tem o inglês como sua língua materna. Visto que estou mais familiarizado com a Ásia, mencionarei apenas alguns estudiosos pentecostais asiáticos: Lora Timenia (Filipinas), Aaron Zhuang (Taiwan), Joshua Iap (Taiwan, Malásia), Timothy e Robert Yeung (Hong Kong), Tin Kwan Lei (Hong Kong), Gani Wiyono (Idonesia) e Dong Soo Kim (Coréia). O futuro da erudição pentecostal é brilhante, em grande parte por causa do surgimento de excelentes estudiosos em países do Sul global, incluindo o Brasil.

Alguns teólogos pentecostais têm sustentado que há três correntes na teologia pentecostal hoje: a Escola de Springfield, que é evangélica; a Escola de Cleveland, que prega uma ruptura com o evangelicalismo; e a Escola de Birmingham, mais ecumenista. Você concorda com essa classificação?

Sim, acredito que essa classificação captura bem as várias correntes teológicas que vemos na academia pentecostal hoje. No entanto, eu enfatizaria que essas categorias, embora possam descrever de maneira útil as principais correntes na academia pentecostal, elas não representam igualmente as crenças e práticas encontradas nas igrejas pentecostais de base. A grande maioria das igrejas pentecostais, em minha opinião, reflete as ênfases teológicas e a mensagem do grupo “evangélico com um plus” [Escola de Springfield]. Um grupo muito menor se identifica com a Escola de Cleveland e muito poucos realmente refletem os valores e ethos da Escola de Birmingham. Identifico-me com a escola “Evangélicos com um plus”, como deixa claro o meu recente livro Christ-Centered: The Evangelical Nature of Pentecostal Theology (Eugene, OR: Cascade, 2020), que em breve será traduzido para o português. Acredito que o Movimento Pentecostal sempre afirmou os compromissos evangélicos centrais – a autoridade da Bíblia; que a salvação é encontrada apenas em Jesus; e que o evangelismo é uma prioridade para a igreja – ao mesmo tempo em que adiciona ênfases teológicas significativas a essas crenças centrais – como lemos Atos, nossa compreensão do batismo no Espírito e a maneira como relacionamos essa experiência ao falar em línguas. Descrevo essas contribuições distintas em meu livro Pentecostes: This Story is Our Story (GPH, 2013), que foi traduzido para o português (Pentecostes: Essa História é a Nossa História, CPAD, 2016). A Escola de Cleveland enfatiza uma hermenêutica pós-moderna orientada pela experiência, mas busca ancorar a crença e prática da igreja pentecostal em uma ênfase na tradição, o Evangelho Quíntuplo: Jesus como Salvador, Curador, Santificador, Batizado no Espírito e Rei que retornará. O foco aqui parece ser mais espiritualidade e experiência do que doutrina. Meu medo, no entanto, é que, com sua abordagem hermenêutica subjetiva e flexível das Escrituras, a Escola de Cleveland levará a um futuro turbulento e incerto para a igreja. Quando os líderes atuais saírem do palco, quais compromissos teológicos guiarão a próxima geração? O perigo de um foco na experiência que perca de vista o sentido histórico do texto bíblico é ilustrado na trajetória do pietismo, que influenciou Immanuel Kant e Friedrich Schleiermacher, o Pai da Teologia Liberal. A Escola de Birmingham, por sua vez, rejeita a noção de que o Movimento Pentecostal pode ser definido por qualquer afirmação teológica unificadora. Essa visão também rejeita a visão de que o Movimento Pentecostal foi “nascido” nos Estados Unidos no início do século passado, seja esse “nascimento” ligado à Escola Bíblica de [Charles Fox] Parham em Topeka, Kansas, ou ao Reavivamento da Rua Azusa, em Los Angeles. Em vez disso, a Escola de Birmingham e suas principais figuras, Walter Hollenweger e Allan Anderson, afirmam que o Movimento Pentecostal moderno teve múltiplas origens. Resumindo, a Escola de Birmingham insiste que o Movimento Pentecostal é tão diverso que desafia a descrição teológica. Assim, a Escola de Birmingham tende a enfatizar categorias fenomenológicas – ou experienciais – em vez de categorias teológicas para analisar grupos pentecostais. Acredito que essa abordagem falha em reconhecer a notável unidade que une os pentecostais ao redor do mundo, independentemente de seu idioma, cultura ou localização geográfica. O fio condutor que une os pentecostais em locais específicos com outros pentecostais ao redor do mundo é seu senso de conexão com a Igreja Apostólica, conforme refletido no Livro de Atos. O registro bíblico, então, é a fonte de um entendimento teológico comum que informa e molda a crença e a prática pentecostal. Além disso, embora muito seja dito da diversidade teológica que marca o Movimento Pentecostal, eu acredito que essa diversidade é realmente uma questão de semântica. Os termos pentecostal, neopentecostal e carismático tornam-se significativos quando damos a eles uma definição específica e os usamos de maneiras precisas. Quando não o fazemos, o resultado é uma imagem vaga de um movimento amorfo. Tentei oferecer definições claras para esses termos em meus livros, Pentecostes: Esta história é Nossa História e Christ-Centered: The Evangelical Nature of Pentecostal Theology (“Centrado em Cristo: a Natureza Evangélica da Teologia Pentecostal).

Que mensagem o senhor deixaria para nossos leitores no Brasil?

Em 1970, James Dunn expressou sua esperança para o futuro. Ele ansiava pelo dia em que uma “nova presença cristã que fosse mais fiel ao (…) Novo Testamento e mais adequada e adaptável ao nosso mundo em rápida mudança” pudesse animar a Igreja. Esse dia chegou. Essa presença dinâmica do Espírito Santo é encontrada nas igrejas pentecostais em todo o mundo, porém em nenhum lugar com mais força do que nas igrejas pentecostais do Brasil. O que aconteceu no Brasil nos últimos 60 anos é uma das maiores histórias da História da Igreja. O surgimento da igreja pentecostal no Brasil, agora com mais de 20 milhões de pessoas, é um grande milagre que tem significado global. Hoje, em todo o mundo, como testemunhei pessoalmente na China, é possível encontrar missionários enviados por igrejas pentecostais no Brasil. Você faz parte deste grande movimento centrado em Cristo com o poder do Espírito Santo. Oro para que você valorize e abrace o grande legado de poder pentecostal que é nosso e que remonta à experiência da Igreja Primitiva registrada no Livro de Atos. Nunca se esqueça de que fomos chamados para dar testemunho corajoso de Jesus, o único Salvador do mundo, e que também nos foi prometido poder para cumprir esse grande chamado. É disso que trata o Pentecostes.

por Silas Daniel

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