A santificação posicional e a ação do Espírito Santo

A chamada santificação posicional ou inicial ocorre no início da jornada cristã, quando aceitamos a Cristo como Senhor e Salvador (1 Coríntios 6.11). Nesse instante, por um ato de fé no sacrifício vicário de Cristo, deixamos de ser escravos do pecado e somos redimidos pelo sangue de Jesus. Desta forma, ao sermos perdoados, também somos declarados santos em Cristo Jesus. Logo, somos santos por estarmos em Cristo. A santificação ocorre junto com a justificação, dois termos que estão no cerne do Evangelho. A justificação dirige-se à culpa em relação aos nossos pecados, ao passo que a santificação dirige-se ao domínio e a corrupção produzida pelo pecado no ser humano. Ou seja, diz respeito às nossas mentes, vontades, sentimentos e comportamentos.

O escritor aos Hebreus destaca o aspecto inicial da santificação ao escrever: “Temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez”. Somos santos em Jesus. Por isso as expressões do apóstolo Paulo ao iniciar muitas de suas cartas: “Aos santos em Cristo Jesus que estão em…” (1 Coríntios 1.2; Efésios 1.1; Colossenses 1.2).

O Dicionário Vine, editado pela CPAD, explica que a palavra santificação (hagiasmos) é usada para significar: 1) separação para Deus (1 Coríntios 1.30; 2 Tessalonicense 2.13; 1 Pedro 1.2); e 2) o curso de vida adequado aos que assim são separados (1 Tessalonicense 4.3,4,7; Romanos 6.19,22; 1 Timóteo 2.15; Hebreus 12.14). Assim, a santificação é a relação com Deus na qual os seres humanos entram pela fé no sacrifício de Jesus no Calvário.

Desde a desobediência de Adão e Eva no Jardim, o ser humano teve a sua natureza manchada pelo pecado, tornando a humanidade desobediente à vontade de Deus e, assim, distante de Sua santidade (Romanos 5.12). O apóstolo Pedro desafia os seguidores de Jesus a refletirem a santidade de Deus: “Segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todos os vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pedro 5.15,16).

O modelo de santidade do crente está em Deus. A ideia é que se somos chamados por Deus e seguimos ao Senhor, devemos ser santos assim como Deus é santo. No entanto, essa é uma tarefa extremamente difícil – por que não dizer impossível – à nossa natureza pecadora. Na jornada rumo à santidade, o Espírito de Deus vem nos ajudar. Essa é Sua obra especial. Nenhum membro da Trindade é mais santo que o outro, pois as três Pessoas da Santíssima Trindade são igualmente santas; no entanto, é o Espírito que opera em nós Sua obra de tornar santos os seguidores de Jesus.

A obra de santidade operada pelo Espírito Santo visa a cooperar conosco para que se possa conseguir separar a vida do pecado e dedicar-se à prática da vontade de Deus. O novo nascimento, a nossa regeneração em Cristo, é obra do Espírito Santo, que convence o homem do pecado, da justiça e do juízo. Estando o ser humano morto em seus delitos e pecados, há a necessidade da manifestação da graça preveniente.

Em uma definição inicial, portanto, a graça preveniente é o meio pelo qual Deus, antes de qualquer ação humana, atrai graciosamente o pecador e o capacita espiritualmente para que se arrependa e se converta a Cristo. Ela não salva por si só, mas apenas permite o arrependimento, criando uma condição favorável para que todos venham a crer (João 3.16).

A graça preveniente, portanto, é o meio pelo qual Deus vai ao encontro do pecador para começar a obra da salvação, atraindo-o e capacitando-o espiritualmente para responder à obra divina. Tal doutrina bíblica ensina que, em se tratando de salvação, é Deus quem toma a iniciativa de chegar-se ao homem caído, e nunca o contrário, reconhecendo ao mesmo tempo tanto a total depravação humana quanto a possibilidade de o homem resistir a essa oferta graciosa.

A ação do Espírito, gerando o novo nascimento em Cristo, torna o ser humano habitação de Deus, pois o Espírito, que é Deus, passa a fazer morada nos salvos (1 Coríntios 3.16). Essa habitação do Espírito capacita o ser humano a desenvolver a verdadeira espiritualidade em santidade, não por ausência do mal, mas por obra e graça de Deus.

Visto que o mal sempre surge no coração por causa do poder ativo da natureza pecaminosa, o poder do Espírito Santo é sempre necessário para vencê-lo; e visto que a obrigação de viver e de servir para a glória de Deus está sempre presente, o mesmo poder capacitador do Espírito é incessantemente exigido. Existe uma noção mal refletida e excêntrica de que a espiritualidade é conseguida quando há uma cessação de algumas formas exteriores do mal, que a espiritualidade consiste naquilo que uma pessoa não faz. Contudo, a espiritualidade não é uma supressão apenas; ela é também uma expressão. Ela é somente restringente do eu; ela é sobrevivente do Cristo que habita. O não-regenerado não seria salvo se ele cessasse de pecar; ele ainda estaria sem o novo nascimento; faltariam a ele ainda as manifestações positivas do Espírito.1

Assim, embora a santificação seja posicional, ou seja, é um ato junto à justificação, a obra da santidade é um trabalhar do Espírito Santo juntamente com o crente, é uma cooperação entre o crente e o Espírito Santo. O apóstolo Paulo expressou essa ideia aos filipenses: “Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é que efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2.12,13).

O esforço humano pode gerar santidade?

Ao lermos o texto do apóstolo Paulo em Gálatas 3.3 (“Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?”), vemos que o que era fundamental para tornar-se cristão – a ação do Espírito – também permanece fundamental para permanecer cristão. O anseio pelo crescimento espiritual é legítimo. O Novo Testamento fala sobre aumentar, crescer na fé, crescer no conhecimento, na justiça, na santificação, no amor, no trabalho e na entrega. Mas esse crescimento deve acontecer na sequência correta, da forma que Paulo orienta em Filipenses 1.6: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus.”

Os tolos e néscios gálatas procuraram crescimento e aperfeiçoamento “pela carne”, ou seja, fora do acontecimento criador por meio do Espírito. Entregaram-se às mãos de pessoas que realizavam nelas cerimônias como, por exemplo, a circuncisão. Obedeciam a instruções de alimentação e prescrições de festas, isto é, a “rudimentos fracos e pobres” (Gálatas 4.9), com vistas a coroar as obras de Deus com tais coisas, um triste “progresso” para trás.

Paulo combate uma pseudoespiritualidade, uma pseudosantidade, um falso crescimento espiritual, os quais eram baseados na carne, em esforços humanos. Adolf Pohl nos diz que os produtos finais desse desenvolvimento podem ser depreendidos no texto do capítulo 5 da Carta aos Gálatas. Eles não demoraram a “morder-se, devorar-se, vangloriar-se, magoar-se e conduzir infindáveis brigas facciosas (Gálatas 5.15,26). No final, surge a vergonha pelas flagrantes infâmias nas próprias fileiras (Gálatas 5.19-21)”.2 Isso confirma o que está em Gálatas 6.8: “O que semeia para a sua própria carne da carne colherá destruição” (NVI).

O engano dos Gálatas era fruto de uma má compreensão sobre a salvação. Pode-se dizer que eles seguiram um caminho muito parecido com os legalistas nos dias de hoje: “A salvação é por graça, a salvação é por fé, a salvação é pelo Espírito; mas o aperfeiçoamento, a santificação, é por esforços humanos. Deus dá em nós o pontapé inicial, mas depois disso, você tem que se empenhar. Deus faz uma parte, e você tem que fazer a outra. A justificação é pela fé, mas não a santificação; a santificação é por seu esforço; a santificação é algo que você tem que obter”. Ao que parece, chegaram pregadores na Igreja dos gálatas com essa mensagem. Mas, nas palavras de Paulo, tais pregadores estavam pervertendo o Evangelho. Infelizmente, não é difícil ouvir mensagens como essa no Brasil do século XXI.

A mensagem de Paulo, no entanto, vai de encontro a essa ideia de esforço humano, de mérito humano, de espiritualidade e santificação por esforço humano. Paulo diz que não só o começo é por fé, mas também todo o caminhar, toda a jornada, é por fé; não é por obras nem no princípio, nem no meio, nem no final. Paulo quer que os Gálatas (e todos nós) entendam que o evangelho de Cristo, o evangelho da graça de Cristo, deve conservar-se puro. Não há lugar para a carne, não há lugar para o esforço humano, não há lugar para as obras do homem em nenhum ponto da vida cristã.

É uma boa notícia dizer que tudo é por fé; do começo ao final, tudo é por fé. É uma boa notícia dizer que nossas obras não servem nem antes, nem agora, nem nunca. Portanto, não só a justificação é por fé, mas também a santificação, ou o aperfeiçoamento da vida cristã, é por fé.

Como entender a santificação pelo Espírito

Quando se diz que a santificação é por fé, o que se está dizendo na prática? Dizendo que não é por obras, que não é com esforço humano. Então, surge a pergunta: “O que faço? Se para ser justificado somente tive que crer, e agora você me diz que para ser santo, para alcançar a santidade, ou para experimentar a santificação, não tenho que fazer esforços humanos – em outras palavras, não é algo que eu posso conseguir ou obter –, então o que tenho que fazer? Fico sentado, usando redes sociais? Fico dormindo?”. Bem, parece uma contradição, mas não é suficiente afirmar que é por fé. E Paulo não encerra aqui a discussão. No capítulo 5 da Carta aos Gálatas, ele segue o raciocínio. Vamos acompanhá-lo.

Quando Paulo diz que a santificação é por meio da fé, significa que a santificação é pelo Espírito. Ele diz em Gálatas 5.16, com um tom imperativo – ou seja, é algo que temos que fazer –, que temos que andar no Espírito: “Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne”. Então, o que significa a santificação ser por fé? Significa que não se pode alcançar a santidade por esforços próprios porque a obra santificadora é uma função especial do Espírito Santo. Precisamente, chama-se Espírito Santo porque uma de suas funções principais é santificar o povo de Deus.

O que temos que fazer? O apóstolo Paulo diz: “Vivam no Espírito, andem pelo Espírito, e então não vão satisfazer os desejos da carne.” Ele segue orientando: “Porque o desejo da carne é contra o Espírito, e o do Espírito é contra a carne; e estes se opõem entre si, para que não façais o que quereis. Mas se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei” (17-18). Dessa forma, conforme o ensino do apóstolo, o único que pode derrotar a carne não é a natureza humana por si só, mas o Espírito Santo (que é contra a carne) que habita naqueles que pela fé creram em Jesus como Salvador. Tudo o que se tem que fazer é andar no Espírito, ser guiado por Ele. No entanto, a decisão de andar ou não no Espírito cabe a cada pessoa. Uma vez que se decide a andar no Espírito, Ele nos capacita nas lutas diárias na jornada da santificação.

A santificação é por fé, porque é pelo Espírito Santo. E, sem o Espírito Santo, não há experiência de santidade. É certo que a obra de Cristo nos santificou, dessa forma, somos santos. Mas a verdade subjetiva, a verdade da experiência, da prática dessa verdade, só é possível pelo Espírito Santo de Deus.

Conclusão

Paulo conclui em Gálatas 5.25 da seguinte forma: “Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito”. Ou seja, se você é salvo em Cristo Jesus, se tem a vida pelo Espírito, se tudo começou pelo Espírito, tudo o que terá que fazer é seguir pelo Espírito. Se tens recebido a vida pelo Espírito, tudo o que tens que fazer é continuar com o Espírito, andar pelo Espírito. É por fé, do princípio ao fim; é pelo Espírito, do princípio ao fim. A ideia é que a carne nunca teve lugar no processo de santificação, “pois a inclinação da carne é para o mal”. Os esforços humanos não servem nem para o começo, nem para o meio, nem para o final; os esforços humanos só fazem que o pecado abunde e se multiplique.

Não defendemos o monergismo, mas o sinergismo,3 onde há a colaboração do ser humano. A coisa não parte do ser humano, mas, sim, do Espírito; no entanto, o ser humano necessita deixar-se dominar pelo Espírito. Se não, ele pode amar mais as trevas do que a luz, visto que suas obras são más, conforme João 3.19,20: “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem arguidas as suas obras”.

Notas

1 CHAFER, Lewis. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2003, p. 514.

2 POHL, Adolf. Carta aos Gálatas – Comentário Esperança. Curitiba, PR: 1999, p. 102.

3 Monergismo – Essa palavra faz parte do vocabulário radical do agostinianismo e do calvinismo. Afirma que a regeneração depende totalmente das operações do Espírito Santo, onde a vontade humana torna-se totalmente passiva durante todo o processo da salvação (Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, Hagnos, volume 4, M/O, p. 344). Sinergismo – Essa palavra vem do termo grego composto que significa “trabalhar junto com”. No contexto, teológico, essa palavra significa que a salvação do indivíduo é o resultado final de um esforço cooperativo com Deus (Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, Hagnos, volume 6, S/Z, p. 233).

por Eduardo Leandro Alves

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